Caros amigos,
Estamos a viver momentos estranhos e que abalam os fundamentos daquilo que conhecemos. Não sabemos ainda bem o que pensar, quais as melhores decisões a tomar, e a que horizontes novos isto nos pode levar. Ainda não tivemos o tempo necessário para processar toda a informação que nos chega e, a partir dela, aprendermos a fazer uma leitura narrativa que nos oriente.
Muitos irmãos, embora o entendam bem e concordem, sentem a inexprimível estranheza de não terem eucaristia dominical e serem convidados a ficar recatados e conformados nas suas casas. É como se, definhando de sede e correndo para a fonte, a encontrassem inesperadamente encerrada e sem data de reabertura. Nós mesmos, pastores, não sabemos bem o que podemos fazer além da oração e de vos dizer que estamos profundamente solidários com todos. Por outro lado, sabemos que esta experiência encerra em si uma potencialidade enorme de transformação. A experiência é, na fé cristã, a matéria prima que nos possibilita descobrir a presença de Deus na história de cada um e na história do mundo. Deus só se descobre nas experiências lidas e interpretadas a partir da fé. Enquanto não entendemos o que vivemos estamos só no “facto”, no «vivido», mas quando começamos a ser capazes de o interpretar, esse facto vivido e amorfo torna-se experiência. Os discípulos de Emaús tinham vivido «um facto», mas não eram capazes de o interpretar. Por isso iam para casa tristes e desconsolados; mas quando Jesus se aproximou deles e, a partir da Escritura, os ajuda a fazer a correlação entre o que estava escrito na Bíblia e o que eles agora estão a viver, o coração começa a arder-lhes lá dentro, pois agora começam a entender. O que eles viveram faz sentido…e assim se abrem à presença do ressuscitado.
Ora há uma experiência do povo bíblico que pode dar luz à nossa experiência deste momento. Foi o exílio na Babilónia. Desde que entrou na Terra prometida o povo de Israel solidificou as suas tradições, costumes, cultura, ritos e sinais. O Templo era o maior sinal da Unidade religiosa e política de todo o país. Quando, invadidos por Nabucodonosor, foram levados à força para o exílio rumo a uma outra terra da qual desconheciam a língua, costumes, religião e cultura, ao chegar, deparou-se-lhes o vazio. Onde podemos adorar a Deus? Como podemos continuar a viver como povo? Onde adorá-lo? Onde oferecer os nossos sacrifícios para obter misericórdia? Quem nos pode consolar e alimentar com a Palavra de Deus? O que podemos esperar do futuro? Há uma passagem muito bonita do livro de Daniel em que Azarias faz uma oração cheia de humildade e em que confessa a situação do povo. Diz assim: «Por amor do vosso nome, Senhor, não nos abandoneis para sempre e não anuleis a vossa aliança. Não nos retireis a vossa misericórdia, por amor de Abraão vosso amigo, de Isaac vosso servo e de Israel vosso santo, aos quais prometestes multiplicar a sua descendência como as estrelas do céu e como a areia das praias do mar. Mas agora, Senhor, tornámo-nos o mais pequeno de todos os povos e somos hoje humilhados em toda a terra, por causa dos nossos pecados. Não temos chefe, nem guia nem profeta, nem holocausto nem sacrifício, nem oblação nem incenso, nem lugar onde apresentar-Vos as primícias para alcançar misericórdia. Mas de coração arrependido e espírito humilhado sejamos por Vós recebidos como se viéssemos com um holocausto de touros e carneiros e milhares de gordos cordeiros. Seja hoje este nosso sacrifício agradável na vossa presença, porque jamais serão confundidos aqueles que em Vós esperam. E agora Vos seguimos de todo o coração, Vos tememos e buscamos o vosso rosto. Não nos deixeis ficar envergonhados, mas tratai-nos segundo a vossa bondade e segundo a abundância da vossa misericórdia. Livrai-nos pelo vosso admirável poder e dai glória, Senhor, ao vosso nome». (Dan 3, 37-41
Todas as seguranças que tinham tombaram como a areia que se escapa por entre os dedos. Não há templo, não há sacerdote, não há profeta, não há oblação, não há nada. Podíamos dizer hoje: Não há igrejas abertas, não há Eucaristia, não há sacramentos, não há sacerdotes presentes, não temos os nossos locais onde procurávamos conforto, amizade, fraternidade. Mas o que é que há? Ontem, como hoje, Há Deus. Deus incarnado e comprometido connosco, pois Ele é o Emanuel. E está sempre com o seu povo. O que Ele procura é um coração humilde e contrito e às vezes para nos voltarmos para Ele mais profundamente, permite que nos sejam tiradas as nossas seguranças habituais, mesmo as religiosas. O povo de Israel, que tinha uma religião muito exterior baseada no templo e no culto do Templo, passou a ter, desde aí, uma religião mais interior, mais purificada.
Acho que não é um acaso que no primeiro Domingo em que não tivemos missas, o evangelho que nos foi dado a escutar tenha sido o da Samaritana em que ela pergunta a Jesus: Onde é o verdadeiro lugar para adorar a Deus? O monte Garizm ou em Jerusalém? E a resposta de Jesus conhecemo-la: «Vai chegar a hora- e já chegou- em que os verdadeiros adoradores hão-de adorar o pai em espírito e verdade, pois são esses os adoradores que o Pai deseja. Deus é espírito e os seus adoradores devem adorá-lo em espírito e verdade.» (Jo 4, 23-24)
Que cada um de nós, ajudados pela Palavra de Deus, se deixe formar pelo Espírito Santo e tente perceber à luz da fé o que Deus nos quer ensinar com a experiência de pobreza e humildade que vivemos. As provações são sempre oportunidades para nos tornarmos melhores. Mas, quando passamos por elas nunca ficamos iguais; ou melhores ou piores, dependendo do que fizermos com a oportunidade que nos é dada. No entanto a nossa experiência não é tão desoladora como a do povo de Israel. Eles não tinham meios de comunicação social nem internet, nem redes sociais, e nós temos tudo isso para nos apoiarmos uns aos outros e mantermos vivos os laços que nos unem continuando a sermos suporte uns para com os outros. Em cada dia celebrarei missa pelo Facebook e Youtube a partir de S. José, às 19h.
Quem puder, pode colocar-se online.
Coragem a todos e oremos uns pelos outros.
Que Deus vos encha do seu amor e da sua graça abençoando-vos enormemente.
Vosso P. Jorge