“«O Senhor chamou-me desde o ventre materno, disse o meu nome desde o seio de minha mãe»…”
A folha pode ser descarregada em: São João Baptista
«Naquele tempo, chegou a altura de Isabel ser mãe e deu à luz um filho. Os seus vizinhos e parentes souberam que o Senhor lhe tinha feito tão grande benefício e congratularam-se com ela. Oito dias depois, vieram circuncidar o menino e queriam dar-lhe o nome do pai, Zacarias. Mas a mãe interveio e disse: «Não, Ele vai chamar-se João». Disseram-lhe: «Não há ninguém da tua família que tenha esse nome». Perguntaram então ao pai, por meio de sinais, como queria que o menino se chamasse. O pai pediu uma tábua e escreveu: «O seu nome é João».
Todos ficaram admirados. Imediatamente se lhe abriu a boca e se lhe soltou a língua e começou a falar, bendizendo a Deus. Todos os vizinhos se encheram de temor e por toda a região montanhosa da Judeia se divulgaram estes factos.
Quantos os ouviam contar guardavam-nos em seu coração e diziam: «Quem virá a ser este menino?». Na verdade, a mão do Senhor estava com ele. O menino ia crescendo e o seu espírito fortalecia-se. E foi habitar no deserto até ao dia em que se manifestou a Israel.»
O sentido teológico e antropológico da festa
As festas de S. João Baptista são como que a porta de entrada das festas religiosas do verão que se vão sucedendo nas nossas aldeias, vilas e cidades.
Celebrar a alegria da vida, o reconhecimento e a gratidão a Deus pela criação, fez sempre parte, até hoje, das diversas culturas, tanto no paganismo como no cristianismo. É um dado antropológico e cultural. O homem precisa de celebrar. Digo «até hoje», porque na sociedade tecnicista em que vivemos o homem atual parece perder a capacidade de celebrar a festa. O trabalho e a produção eficaz fazem os seres humanos entrar num frenesim que os torna incapazes de celebrar a alegria da vida.
Hoje, os dias de festa são vistos mais como dias sem trabalho, feriados, do que festas. Assim, a festa deixa de ter conteúdo e fica vazia sendo substituída pelo turismo, viagens sem parar, ou fuga para os locais de divertimento, como as discotecas e outros locais.
Mas a festa é muito mais do que um dia feriado ou do que férias. O importante é “viver em festa por dentro. Saber celebrar a vida, abrir-nos ao dom do criador. Despertar o melhor que há em nós e que fica obscurecido pela superficialidade, a atividade e o ritmo agitado do dia a dia.” (Jose Pagola).
A Igreja ao evangelizar a cultura pagã, transformou as festas pagãs em festividades em honra de Cristo, de Nossa Senhora ou dos santos e, graças a estas festas religiosas, o povo, ao longo de muitos anos, aprofundou e alimentou a sua fé e sentiu o desafio à conversão e santidade. Lembro-me que em criança as festas eram antecedidas de tríduos preparatórios. Muita gente se preparava para viver cristãmente a festa confessando-se e comungando. Ainda hoje os mais velhos assim fazem. Como diz D. Jorge Ortiga, «hoje os tempos são outros, mas o testemunho dos santos é algo intemporal. Quando evocamos os santos e repassamos a sua vida, estamos a colocar a nossa própria vida em questão, estamos a criar oportunidades para arrepiar novos caminhos de santidade, isto é, de aproximação aos nossos anseios mais íntimos e, por isso, queremos, ou devemos querer, alimentar e aprofundar a fé.” Quando festejamos S. João Batista, como é agora o caso, podemos ser tocados com o seu exemplo: Ele foi um homem de fé e de coragem. Reconheceu, antes de todos os outros, que Jesus era o Cristo ou Messias. Foi humilde e soube retirar-se no momento certo, o que não é nada fácil. Falou daquilo que era essencial com palavras que todos entendiam. Viveu para Deus até ao martírio e Deus deu-lhe a vida eterna. O Anjo do Senhor diz a Zacarias, no Evangelho de hoje, que João “será motivo de grande alegria e muitos hão-de alegrar-se com o seu nascimento”. Nós, em festa, alegramo-nos com o seu nascimento e desejamos aprender com Ele a saber falar de Jesus com palavras que todos entendam, mas sobretudo com uma vida simples e coerente.
Os textos da missa de hoje falam-nos ainda de um aspeto importante da nossa fé: A vocação e a missão. O livro de Isaías começa assim “O Senhor chamou-me desde o ventre materno, disse o meu nome desde o seio de minha mãe”…Mas se isso é bem notório acerca de João Baptista e de muitos outros personagens bíblicos, temos mais dificuldades em pensar que Deus faz o mesmo com cada um de nós. Acreditamos que Ele também nos chamou desde o ventre materno e que nos confia uma missão neste mundo diferente para cada um? Se para João Baptista foi importante saber qual era a sua missão para se focar nela, também o é para cada um de nós.
Quando descobrimos a nossa missão neste mundo e a levamos a sério, tornamo-nos audazes e criativos, transformadores desse mundo. Compete-nos ir descobrindo, ao longo da vida, o que quer Deus de nós, qual a missão que Ele nos confia. João Baptista foi para o silêncio do deserto para ouvir melhor a voz de Deus e receber d’Ele a Palavra e a força para viver a sua missão.
Também nós precisamos deste silêncio para nos encontramos com a nossa vocação e a nossa missão. E não só nós como indivíduos, mas também cada instituição precisa de descobrir a missão para que existe para se focar nela e não se dispersar em todas as direções. O Papa Francisco lembra muita vez que a Igreja não é nenhuma ONG (organização não governamental), porque quando a Igreja deixa de anunciar o evangelho que é a sua principal missão, começa a dispersar-se em muitas coisas que são boas também, mas não são a razão pela qual existe.
Mas para além deste aspeto central da festa, há o aspeto da alegria gerada pela comunhão fraterna. Aqueles que celebraram juntos a Eucaristia continuam agora no exterior a festa da amizade e da fraternidade, através da comida, da bebida e do lúdico.
O Papa Francisco escreveu que “a alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus” (Evangelii Gaudium, 1). Um santo triste é um triste santo, diz o povo. A festa é uma oportunidade de saborear a beleza da vida que, mesmo com agruras e dificuldades, não deixa de ser bela quando temos fé e temos ao nosso lado os amigos e os irmãos.
Desejamos a todos os irmãos da paróquia de S. João Baptista que aproveitem bem a festa para os dois aspetos que aqui realço: Aprender com o padroeiro a amar e a servir a Deus, e a confraternizar com os irmãos, acolhendo a todos, dando testemunho da alegria de se sentir membro da Igreja.